Os retratos de Cezanne

posted in: Arte | 0

Le garçon au gilet rouge (Medium)

Le garçon au gillet rouge (1888-1890) National Gallery of Art, Washington

O Museu de Orsay exibiu uma exposição destinada aos retratos de Paul Cézanne. O mestre pintou quase duzentos retratos durante sua carreira, incluindo vinte e seis auto-retratos e vinte e nove representando sua esposa, Hortense Fiquet.

A exposição “Portraits de Cezanne” ou “Retratos de Cezanne” explorou as peculiaridades estéticas e temáticas do artista na elaboração do retrato, em particular na maneira como ele estabelece um diálogo entre obras complementares e realiza múltiplas versões do mesmo assunto.

Uma abordagem cronológica dos retratos de Cézanne nos permite estudar sua evolução, com foco nas variações que aparecem na continuidade de seu estilo e seu método.

As obras apresentadas, provenientes de coleções privadas e museus de prestígio de todo o mundo, variavam desde o notável retrato do tio Dominique, datado da década de 1860 até as representações finais de Vallier, jardineiro de Cezanne em Aix-en-Provence, pintado pouco antes da morte do artista em 1906.

Cézanne é considerado como um dos artistas mais influentes do século XIX. Sua maneira única de construir formas a partir da cor e sua abordagem analítica à natureza influenciaram os cubistas, os fauvistas e as vanguardas que os sucederam. Matisse e Picasso também se referiram a Cézanne como “o pai de todos nós”.

Cezanne é um homem que sonha em se afastar das regras da arte acadêmica e aspira criar novos horizontes. Não é surpreendente que o seu primeiro autorretrato seja inspirado em uma fotografia. Ao invés de se explorar através de um espelho, o artista, então com 22 anos, utiliza um recurso moderno. Com uma expressão intensa em seus olhos negros, ele coloca toda a audácia que ele deverá se revestir para realizar sua pintura, mostrando uma convicção e uma força que sua dedicação ao trabalho irá provar.

Portrait Paul CezanneRetrato de Paul Cezanne (1862-1864), Coleção particular, New York.

Photo Paul CezanneRetrato de Paul Cezanne (1861), Coleção Museu de Orsay, Paris.

Mas qual é a ambição que está por trás desse olhar?

Cezanne vive entre Aix-em-Provence e Paris, onde, após abandonar seus estudos de Direito ele decide abraçar a carreira de pintor. Recusado na Academia de Belas Artes ele se inscreve na Academia Suíça, onde os artistas tinham a liberdade de desenvolver o seu próprio estilo. Ali ele conhece Camille Pissarro e Hortense Fiquet, modelo que mais tarde será sua esposa.

Ele tenta expor no salão oficial, mas é constantemente recusado. Diante de tanta falta de sorte, as rugas aparecem rápido, a prova disso é esse autorretrato de 1875, em que ele aparenta estar bem mais velho que sua idade (36 anos). As sobrancelhas levantadas como dois acentos circunflexos, a pele, representada com pinceladas fortes, parece estar amassada. A imagem que ele dá de si mesmo exprime uma sede do trabalho no limite do suportável.

Portrait Paul Cezanne 2 (Medium)Retrato de Paul Cezanne (1875), Coleção Museu de Orsay, Paris.

dav
Retrato de Paul Cezanne (por volta de 1880)

Ele não está sozinho. Uma geração avança, aquela que se forma em torno de Edouard Manet no “Café Guerbois” e que vão se associar no final do ano de 1873. É o mesmo grupo onde está seu amigo Pissarro, mestre e grande irmão que o leva a pintar em Pontoise e Auvers-sur-Oise e o apresenta ao colecionador Victor Chocquet.

No final do ano 1872 ele se instala em Auvers-sur-Oise com a sua companheira. Esse foi o início de um período denso na história do pintor. Em 1874 ele participa da revolução impressionista, mas se afasta em seguida para continuar a desenvolver o seu estilo.

Os autorretratos pintados entre os anos de 1880 – 1890, mostram a maneira com o artista se libera pouco a pouco da reprodução fiel à realidade. A estilização das linhas, a acentuação geométrica no casaco, o nariz, o toque hachurado da barba e a paleta reduzida ao verde e azul, testemunham o vocabulário formal que o artista está desenvolvendo. Pelo seu olhar, ele cria uma distância em relação ao espectador.

Paul Cézanne 011 Autoportrait - Автопортрет 1880/ 85 (annoté par le fils de Cézanne: Aix 1886) - 45x37 - Provenance, Ambroise Vollard, 4 mai 1906 - cat. 1913, 207 - cat. Pouchkine J3338
Retrato de Paul Cezanne (1882-1885), Coleção Museu de Belas Artes, Moscou.

sdr

Fotografia do artista (1889).

Entre os anos 1900 e 1910, já idoso e solitário, Cezanne já não busca mais o reconhecimento mas continua seu engajamento no ceticismo. Ele se pinta ao trabalho. Compartilha o seu cotidiano entre o atelier e o motivo ao ar livre. Perseverante na sua busca de sensações, o pintor faz aquilo que todos esperam dele, pintar.

Cezanne au béretRetrato de Paul Cezanne com o chapéu (1898-1899), Coleção Museu de Finas Artes, Boston.

sdr

Cezanne sentado no no seu atelier (1905)

Hortense Fiquet em vinte e nove quadros

Com sete anos Hortense se muda a Paris com os seus pais. No final da adolescência a garota aprende o ofício do pai (encadernação de livros na costura) e para ganhar um pouco mais trabalha como modelo para os artistas da academia Suíça. Em 1869 ela encontra Cezanne e três anos depois nasce Paul, o filho do casal. Hortense aceita as exigências de boas maneiras impostas por Cezanne e se coloca à margem da vida do marido, aceita condições de vida difíceis como mudanças frequentes em Paris, Auvers-sur-Oise, Marselha, Pontoise ou Aix-em-Provence. Apesar do casamento acontecer, ela nunca foi bem aceita pela família do marido.

Ela se transforma o sujeito favorito de Cezanne, que se sente feliz de ter uma modelo em casa sem precisar gastar dinheiro para isso. O pintor encontrou nela um ser nobre, acomodada à sua exigência.

Eles não são oficialmente casados, mas a jovem dama é chamada “Madame Cezanne”. A vontade de oficializar a relação é aparente em seus retratos. Em um deles, madame Cezanne costura, em outro, está sentada em uma poltrona amarela, com as mãos cruzadas e tem o olhar distante. Demonstra uma gentileza exemplar.

 

M Cezanne cousant (Medium)

Madame Cezanne costurando (1877) National Museum of Stockholm

dav

Madame Cezanne na poltrona amarela (1888-1890) Insituto de Arte de Chicago e Col. Fundação Beyeler

Cezanne mantém uma certa distância em relação à esposa e a relação íntima que os liga quase não aparace em seus retratos. Podemos até mesmo dizer que não há nada que os une e que eles podem ficar dias sem se ver. O artista passava semanas e semanas na Provença para pintar diretamente sobre o motivo, ficando dias sem ver a esposa e o filho. No entanto, através das inúmeras cartas enviadas ao filho, Cezanne mostra afeição pela esposa.

Nesses vinte e nove quadros e durante vinte anos de trabalho, a senhora Cezanne praticamente não envelhece. Este retrato de Madame Cezanne de vestido vermelho testemunha o valor inestimável dessa parceria. A expressão austera, os olhos perdidos, o cabelo bem ajeitado, a bochecha rosada. O rosto oval e o pescoço cilíndrico retêm a luz. Esse retrato faz lembrar o estilo de Amadeo Modigliani.

sdr
Retrato de Madame Cezanne (1885-1890), Musée d’Orsay, Paris
dav
Madame Cezanne de vestido vermelho (1888-1890), The Metropolitan Museum of New York

Os retratos da família e de alguns próximos do artista

Paul, o filho

Nascido em 1872, Paul cria uma boa relação com o pai, mesmo se ele o vê, na maioria das vezes, longe da mãe. O jovem rapaz desenvolve um certo gosto pela arte, herdado do pai e também devido a sua relação com a família de Renoir, especialmente com Jean. É a partir da família Renoir que ele conhece a filha de George Rivière, crítico de arte e apoiador de seu pai. As filhas de George, Renée e Hélène Rivière, se casaram com Paul Cézanne junior, filho de Paul Cézanne e Edmond Renoir junior, filho do irmão de Pierre-Auguste Renoir, Edmond Renoir, respectivamente.

Portrait_fils_CezanneRetrato do filho do artista (1881-1882), Museu de Orangerie, Paris.

Maria, a irmã e cúmplice

Quando ela posa, Maria tem vinte e cinco anos. Ela e sua mãe fazem parte das raras representações de mulheres que entornam o jovem Cezanne naquela época. Pouca coisa se sabe sobre a relação dos dois irmãos mas acredita-se que Maria, a pedido do pintor, aceitou esconder dos pais a existência de Hortência e do filho.

Marie, a irmãMaria Cezanne, a irmã do artista (1886-1887), Coleção aint Louis Art Museum

Louis Auguste, o pai

Modesto chapeleiro no início e se tornou rapidamente o proprietário do único banco da cidade de Aix-em-Provence. Foi duro com o filho no início pois não aceitava sua vocação de artista, depois de dois anos deixou o filho partir para a capital em busca do seu sonho. Depois, até mesmo lhe confiou a decoração de uma de suas salas. Neste retrato, Cezanne mostra o pouco entusiasmo do pai lendo o jornal onde seu amigo Emile Zola publica suas críticas em relação à arte.

Louis Auguste père de l’artiste (Medium)Louis Auguste Cezanne, o pai do artista lendo l’Evenement (1866), Nat. Gallery of Art, Washington.

Dominique Auber, o tio

Dominique, oficial de justiça e tio de Cezanne, é o sujeito de uma dezena de retratos do mestre, onde ele aparece em diferentes poses e vestido diferentemente (advogado, monge, etc). O aspecto lúdico desses quadros deixa aparente a ligação privilegiada do sobrinho com o tio, irmão mais novo de sua mãe. Entre os inúmeros retratos executados em 1866, este em que ele está vestido de advogado, pela posição de suas mãos, mostra que ele está em pleno momento de alegação ou argumentação. A técnica empregada por Cezanne, principalmente nas mãos, reforça o efeito de movimento.

dav
O Advogado, o tio Dominique (1866), Museu de Orsay, Paris.

dav

O homem com o boné de coton (tio Dominique), (1866), New York.

Achille Emperaire

Proveniente de Aix-em-Provence como Cézanne, dez anos mais velho, Achille Emperaire também era um artista pintor. Eles se encontraram no estúdio parisiense de Charles Suisse no início da década de 1860 e mantiveram laços amigáveis por pelo menos uma década. Cézanne lembra com carinho do jovem, dizendo: “Ele é um rapaz talentoso, conhece a fundo a arte dos venezianos, podendo até mesmo se igualar a eles”. Infelizmente, pobre e desafortunado, ele não receberá nenhuma notoriedade e existe hoje um número bem restrito de obras de Achille Emperaire.

Nesse quadro, Cézanne evidencia o caráter doentio e a silhueta deformada de Achille. No entanto, a monumentalidade da obra, a apresentação frontal do modelo, seu assento majestoso e a inscrição ostentosa no topo lembra “Napoleão 1 no trono imperial” de Ingres. Tem ainda o jogo dos termos em relação ao sobrenome de Achille, “Emperaire” que parece com “imperador”.

Achille Emperaire (Medium)Achille Emperaire (1867-1868), Museu de Orsay, Paris.

Ambroise Vollard, o comerciante de arte

É Ambroise que organiza a primeira a exposição individual de Cezanne em novembro de 1895, seguida de muitas outras. É a partir daí que o artista começa a ganhar notoriedade entre os colecionadores franceses e estrangeiros. Depois de mais de cem horas de pose, o artista realiza o retrato de seu comerciante.

Portrait d'Ambroise Vollard (Medium)Amboroise Vollard, 1899, Musée du Petit Palais.

O jardineiro Vallier

Nos últimos anos de sua vida, apesar do sucesso, Cezanne se isolou pouco a pouco de Paris e frequentava somente os mais íntimos, como o seu jardineiro em Lauves, onde o artista vivia. Os retratos que ele fez do senhor Vallier alternam entre uma grande luminosidade colorida e um ambiente mais sombrio. Talvez porque o artista tinha pensamentos que evocam o declínio e a morte. Não é impossível que Cezanne quis representar a si mesmo nos traços do senhor Vallier. A verdade é que ele trabalhou numa série de retratos de Vallier até a sua morte. A densidade do material testemunha os incessantes retoques, como se o pintor estivesse em uma constante batalha para realizar suas sensações.

Vallier

O jardineiro Vallier, 1890

Victor Chocquet, amigo e colecionador

No retrato do seu amigo e colecionador Victor Chocquet. Ele o representa como burguês, porém sem ostentação, vestido com um terno escuro e uma camisa branca, mas casual. Usa chinelo e meias brancas. A barba e o cabelo acompanham a moda do final do século XIX. Sentado em uma posição voltada para o expectador. Inclinando-se na parte de trás da poltrona, as mãos cruzadas, ele está bastante à vontade, o rosto é sério sem ser severo. As mãos são longas e finas mostrando uma postura bem delicada.

Portrait de Victor Chocquet (Medium)

Retrato de Victor Choquet, 1877, Collombus Museum of Art.

 

Se você quiser ver alguns dos mais lindos retratos de Cezanne, reserve a nossa visita nos museus de Orsay e de Orangerie.

Fonte:

Portraits de Cezanne. Musée d’Orsay. Beaux Arts éditions, 2017.

Portraits de Cezanne. Musée d’Orsay. Exposition temporaire de 13 juin – 24 septembre, 2017.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *